quinta-feira, 15 de setembro de 2016

o vestido


Acontece que às vezes ele chega de um jeito muito estranho. Dali uma hora ia acontecer o primeiro Café Ferrante. Imbuída de consumismo e ansiedade saí pra comprar uma blusa em uma loja da cidade que eu gosto muito. A loja de Dora fica no Rio Vermelho. Lá ela faz costuras bonitas e seleciona artesanatos de gente criativa e empreendedora como ela. Empreendedora no sentido da palavra que eu mais gosto. É romantizado. Ando cansada com o discurso da crise que agora é hora de empreender. Também sigo cansada com o discurso hipster do sorvete orgânico e do bordado da vó como se fosse à descoberta da roda. A moça da coxinha e os vendedores de toda sorte empreendem há anos e nunca reivindicaram para si os louros dos seus feitos.

Mas voltando a Dora, fui lá procurar uma blusa que vi no instagram. Achei que a blusa ajudaria no encontro próximo. Um monte de mulher incrível conversando sobre literatura, feminismo e Elena Ferrante. Mas não encontrei a tal blusa, já estava esgotada há tempos. Aceitei a perda da blusa e voltei caminhando até o ponto de ônibus, aproveitando o sábado de sol. O Rio vermelho é um dos bairros mais legais de Salvador. Sábado pela manhã ele estava vazio. No caminho encontrei um brechó e lá esteve ele, um vestido perfeito. Ele cabia perfeitamente. Ele era bonito e trouxe aquela sensação do acaso, do destino, que repito com frequência que não acredito ou que não existe. Talvez eu esteja exagerando no misticismo. Talvez eu não esteja percebendo a estrutura capitalista que faz com que a compra de algo traga essa felicidade instantânea. Mágica. Como se o vestido possuísse uma força por apenas existir.

Mas naquela manhã, enquanto eu não estudava para a dissertação e ignorava todos os quilos de textos que preciso ler até o fim do mestrado, fiquei feliz e leve. Ficar feliz e leve com o ritmo de estudo que tenho é tão difícil. Um otimismo que não me é muito caro chegou e aceitei as incertezas por alguns instantes. Foi feliz o nosso encontro e a minha tarde de conversas, com bolo e café, enquanto aguardamos ansiosas o próximo livro da Elena Ferrante. Ainda não decidi se o vestido  tem mérito nisso ou não.

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