sexta-feira, 11 de março de 2016

Seres da ficção

Ilustração Celeste Berlier

Vou parecer maluca. Talvez essa seja uma ideia maluca mesmo.

Não é a primeira vez que vejo um autor afirmar que a história que escreveu não é sua.  Que a história existe para além dele.

A J. K. Rowling conta que toda a história do Harry Potter chegou para ela durante uma viagem de trem. Sim, chegou.

A Elizabeth Gilbert relata no seu último livro, A Grande Magia, um acontecimento semelhante, quando um enredo de um livro chegou até ela. Na época não pode escrevê-lo e a história, segundo a própria Gilbert, acabou abandonando. Anos depois ela conheceu uma moça, num congresso, que à época escrevia a mesma história que a tinha abandonado anos atrás.

A história encontrou um novo autor. Ou melhor, um ser que a transportasse e a traduzisse.

Esse transporte de ideias me lembrou o conceito de meme do Richards Dawkins no livro O Gene Egoísta, antes do termo meme ser apropriado como ferramenta de expressão da internet com gifs de gatinhos e montagens de humor.

Dawkins acreditava que algumas ideias se reproduziam de forma semelhante aos vírus, como modas do vestuário, melodias, ideias e slogans, tudo que pode ser aprendido através da imitação. 

Mas o auge da minha surpresa foi numa disciplina sobre cibercultura, no mestrado, quando li “Enquetes sobre os modos de existência” do francês Bruno Latour. O texto é pra lá de cabeçudo e não tenho nenhuma pretensão de torná-lo acessível em um texto no blog.

De maneira muito resumida e simplória (põe simplória nisso), os modos de existência da política, ciência, religião, do direito, da ficção, entre outros, possuem “chaves” de existência que tem funcionamentos próprios.  

Aqui surge o gancho que eu queria. Os seres da ficção EXISTEM. Dentro do seu próprio modo. De alguma maneira.

Apaixonados por livros, personagens de séries, heróis dos quadrinhos e filmes talvez entendam melhor o que quero dizer. Esses seres constituem uma existência que lhe são próprias e eu gosto muito da ideia que ela seja independente do autor.

Se uma história quando é contada ganha vida própria e interpretações diversas, nada melhor que assumir a independência deles. Quantas vezes eles já permearam nossas conversas, nossas roupas, nossas escolhas. 

Minha torcida é para que esse seres sempre encontrem passagem para o nosso mundo. 

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