Alguma tarde de 2001. Voltava pra
casa com a farda da escola adventista, blusa azul e calça folgada. A farda é a
mesma até hoje. Um senhor enfiou a mão no meio das minhas pernas e disse
“gostosa”. Da maneira que a palavra gostosa pudesse soar mais assustadora
possível. Eu tinha onze anos.
Algum sábado à noite de 2002. Escolhi
ficar em casa sozinha para desfrutar da televisão a cabo. Um amigo dos meus
pais e membro da igreja que eles frequentam bate na porta procurando por eles.
Eu aviso que eles não estão em casa e ele na sequência pede um copo d’água. Ele
me prende por trás na cozinha e se esfrega em mim. Ele só parou porque uma moça
bateu na porta e eu corri para atender. Eu tinha doze anos.
Ilhéus, feriado do carnaval de 2003.
Estava com minha família em uma barraca de praia para almoçar e levantei para
ir ao banheiro. No caminho um senhor que estava em outra mesa tocava no pênis e
esfregava os dedos em um gesto que simboliza dinheiro. Fiquei atordoada e
assustada. Eu tinha treze anos.
A parte triste é que não sou
um caso isolado. Demorou anos para organizar essas histórias na minha cabeça.
Para consegui relatá-las. A marca e a dor que elas causam perduraram por muito
tempo. E demorou muito mais para entendê-las. Entender o contexto que permite e
aceita que essas práticas aconteçam.
Na última quarta-feira o Think Olga convidou
homens e mulheres através da hashtag #primeiroassedio relatarem suas histórias
em resposta as mensagens terríveis com cunho sexual e pedófilo que a
participante Valentina (13 anos) do MasterChef Júnior recebeu no
twitter. Foram 29 mil twetes de muitas mulheres e alguns homens sobre assédio
sexual ainda na infância.
No dia não consegui escrever. Mas
agora escrevo porque existe em mim um cansaço que não passa. Estou cansada há
tanto tempo que já nem lembro mais. Cansada de ouvir absurdos sobre feminismo.
Como se ele não fosse necessário em tempo de bancadas evangélicas que usam
argumentos religiosos tortos para defender “a moral e os bons costumes”.
Estou cansada de ouvir que o
feminismo é uma doutrinação absurda e descabida para transformar mulheres em
seres masculinizados e que odeiam homens. Não, ele não é. Mas faltam boa
vontade e honestidade intelectual.
Cansada de ouvir que tudo isso é
mimimi e vitimismo. Estou cansada dos “bolsomitos” que reproduzem ódio e
preconceito a todo instante. Estou cansada de ouvir que foi “a faculdade” que
“fez isso comigo” como se fosse o pior dos seres. Mas essa é a parte verdadeira
e não nego, foi o acesso à educação que transformou a minha história. Do
contrário ainda carregaria aquele aperto no peito e o eterno sentimento de
inadequação e culpa.
O meu cansaço é real. Mas não posso
parar. Preciso continuar. Preciso explicar para adolescentes que conheço e
sofrem os mesmos assédios, e no entanto, escutam absurdos como “isso é coisa de
homem”, “é da natureza dele”, “ele acha você bonita, não seja besta”.
Não, não é.
Parem, por favor, parem.
Tirem o seu machismo do caminho,
porque sim, eu vou passar. E não vai ser cabeça baixa.
Um comentário:
Posso compartilhar?
Postar um comentário